Triagem Neonatal Complementar: Uma Janela de Oportunidade para o Diagnóstico Precoce da Doença de Pompe

A Doença de Pompe é uma condição hereditária e rara que afeta o funcionamento celular, podendo evoluir rapidamente para um quadro grave e potencialmente fatal se não for diagnosticada e tratada precocemente.

A detecção precoce é fundamental para o tratamento e prevenção de complicações que podem ser irreversíveis, possibilitando uma intervenção terapêutica antes mesmo da manifestação de sintomas, reduzindo os impactos da doença.

Nesse contexto, o Perfil Bioquímico para Doenças Lisossômicas destaca-se como uma ferramenta complementar à Triagem Neonatal, permitindo a identificação precoce de condições como a Doença de Pompe. Assim, apresentaremos a seguir informações abrangentes sobre essa condição, ressaltando a importância da realização de exames neonatais para seu diagnóstico.

Doenças de Depósito Lisossômico e a Doença de Pompe

As doenças de depósito lisossômico são Doenças Metabólicas Hereditárias caracterizadas por deficiências enzimáticas que afetam a degradação de substâncias específicas dentro dos lisossomos.

Por sua vez, a Doença de Pompe, também conhecida como Glicogenose tipo II, é uma doença de depósito lisossômico causada por uma deficiência da enzima alfa-glucosidase ácida, que é responsável pela quebra do glicogênio, uma forma armazenada de glicose, nos músculos e outros tecidos. A deficiência dessa enzima leva ao acúmulo de glicogênio nas células, podendo levar ao enfraquecimento muscular progressivo, à insuficiência cardíaca e respiratória, e até mesmo à morte.

Existem dois tipos de Doença de Pompe: de início precoce e de início tardio. A de início precoce corresponde à forma mais grave da doença, apresentando evolução rápida e alta taxa de mortalidade. Os sintomas neuromusculares, cardíacos e respiratórios aparecem no primeiro ano de vida, tendo o aumento do coração como um dos seus principais sinais. A de início tardio pode manifestar-se tanto em crianças com mais de 12 meses, quanto em adolescentes e adultos até a sétima década de vida. As duas formas são associadas à fraqueza muscular progressiva e insuficiência respiratória. A miocardiopatia está associada à forma infantil, mas pode estar presente em outras apresentações da doença, ainda na infância/adolescência e na idade adulta.1

De acordo com dados do Ministério da Saúde, a incidência global da Doença de Pompe gira em torno de uma a cada 40.000 pessoas.2

Genética e Hereditariedade

A Doença de Pompe segue um padrão de herança autossômica recessiva. Isso significa que um indivíduo só desenvolve a doença quando herda duas cópias alteradas do gene GAA, uma do pai e outra da mãe. Quando apenas uma cópia do gene alterado é herdada, a pessoa é chamada de portador assintomático do gene “defeituoso”, ou seja, não apresenta sintomas da doença, mas pode transmitir a variante para seus filhos.

Sendo assim, o aconselhamento genético, tendo em vista a orientação dos pais sobre a base genética da Doença de Pompe e o risco de transmissão, é essencial quando o pai ou a mãe é portador da condição ou tem conhecimento de histórico familiar da doença.

Diagnóstico: Testes Bioquímicos e Biomarcadores

Os primeiros sinais e sintomas da doença de Pompe em recém-nascidos podem incluir:2

  • Hipotonia muscular com atraso nas etapas do desenvolvimento motor;
  • Complicações respiratórias, com infecções frequentes;
  • Distúrbios do sono;
  • Dificuldade de alimentação;
  • Cardiomegalia (aumento do tamanho do coração);
  • Aumento no tamanho do fígado e do baço, além do acometimento da língua.

Esses sintomas podem surgir logo após o nascimento ou nos primeiros meses de vida do bebê. No entanto, o diagnóstico da Doença de Pompe ainda é um desafio. A ampla variedade de manifestações clínicas da doença aumenta a complexidade do processo, que envolve a exclusão de outras enfermidades mais comuns, antes que ela seja considerada.3

Como ocorre com todas as doenças graves, a detecção precoce é essencial no caso da Doença de Pompe. Quando identificada tardiamente, as possibilidades terapêuticas podem não ser o suficiente para impedir consequências graves.

Nesse cenário, o Perfil Bioquímico para Doenças Lisossômicas, um teste complementar da Triagem Neonatal que identifica, dentre outras, a Doença de Pompe, pode impactar significativamente a vida futura de recém-nascidos diagnosticados com essa condição. A identificação precoce da Doença de Pompe viabiliza uma rápida intervenção com tratamento específico e acompanhamento por equipe multidisciplinar que efetivamente trarão melhora do quadro clínico do bebê e atuarão na prevenção de danos irreversíveis.

A partir da confirmação de quadro clínico, é possível, então, oferecer ao bebê terapias que envolvam a reabilitação muscular e de deglutição, e tratamento da parte cardíaca e respiratória.

Além disso, e principalmente, pode-se iniciar a terapia de reposição enzimática (TRE) administrada através de uma injeção intravenosa da enzima α-glucosidase ácida (GAA) recombinante, já que a referida enzima se encontra ausente ou deficiente nos indivíduos com a Doença de Pompe. Observa-se que, em bebês, a TRE promove um quadro extremamente positivo: a progressão da doença estaciona e, consequentemente, a sobrevida aumenta bastante.3

Como se pôde perceber, as intervenções e mudanças que podem modificar o prognóstico das pessoas com Doença de Pompe estão intimamente atreladas a um diagnóstico precoce da doença. A triagem neonatal, especialmente por meio do Perfil Bioquímico para Doenças Lisossômicas (DLE), realizada entre as 48 horas a partir do nascimento e o 5o dia de vida, desempenha um papel crucial nesse processo, uma vez que possibilita uma intervenção clínica, ainda que em casos assintomáticos.

Para saber mais sobre triagem de doenças de depósito lisossômico, clique aqui.

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Referências:

  1. CONITEC. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Doença de Pompe. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: http://antigo-conitec.saude.gov.br/images/Relatorios/2020/Relatorio_de_Recomendacao_PCDT_Doenca_de_pompe_FINAL_529_2020.pdf
  2. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Pompe [recurso eletrônico] / Brasília : Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_clinico_diretrizes_terapeuticas_pompe.pdf
  3. Jornal da USP. “Diagnóstico precoce é essencial para bons resultados no tratamento da Doença de Pompe”. 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/?p=346982