A triagem neonatal biológica, conhecida como Teste do Pezinho, é um direito de todos os recém-nascidos no Brasil e um marco em termos de política pública de saúde. Desde sua implantação, avanços em pesquisas vêm permitindo que essa prática preventiva tão importante seja aprimorada, levando possibilidades de tratamento para mais pessoas e trazendo mais eficiência à prática clínica.
O exame busca rastrear doenças e condições potencialmente graves que, caso não sejam tratadas no tempo adequado, podem causar morbidades, mortalidade ou prejuízos cognitivos à criança. Os resultados podem indicar variações suspeitas, as quais requerem uma investigação adicional para confirmar ou descartar o diagnóstico1.
Embora muitos pais reconheçam a importância do exame para a saúde de seus filhos, a maioria não sabe explicar exatamente o porquê, conforme revelou um estudo da Universidade Federal do Pará. Isso indica que ainda há uma considerável falta de conhecimento por parte das famílias sobre o tema, o qual pode e deve ser complementado com informações e orientações fornecidas por profissionais de saúde.
Por que o diagnóstico precoce é tão importante?
Realizar a coleta no período ideal – entre as 48 horas e o 5º dia de vida – é de extrema importância para o bom prognóstico das doenças. Isso porque muitos dos quadros investigados pelo Teste do Pezinho só apresentam sintomatologia no decorrer dos primeiros dias, meses e até anos após o nascimento, quando o indivíduo já sofreu deterioração da saúde e até redução da expectativa de vida2.
Além disso, a investigação tardia torna o diagnóstico mais desafiador, devido a sintomas comuns a outras doenças, inclusive menos graves. A busca pelo tratamento correto pode ser um processo longo e desafiador, tanto para a família quanto para o profissional de saúde.
Neste contexto, optar por uma triagem mais abrangente pode aumentar significativamente a eficácia da abordagem. Ao investigar um maior número de alterações, viabilizado pelas novas tecnologias de análise, não apenas eleva a precisão do resultado, mas também reduz o risco de falso-positivos. Isso proporciona maior segurança para a família e otimiza o tempo da equipe de cuidados envolvida.
Um caso recente veiculado pela imprensa ilustra o cenário. Em 30/01/24, a recém-nascida Heloísa, moradora de Divinópolis (MG), foi submetida ao Teste do Pezinho ampliado. Isso possibilitou que a bebê fosse diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME) e com apenas 19 dias de vida, tivesse seu tratamento iniciado.
“Essa é a diferença crucial da ampliação da triagem neonatal, porque ela [Heloísa] passaria pela consulta com o pediatra ou neuropediatra e não seria identificado nenhum sinal da doença”, afirmou a neuropediatra responsável pelo atendimento da menina.
“Consideramos que essa criança foi diagnosticada no tempo certo, o que vai fazer toda a diferença na vida dela e da família. Vamos acompanhar seu desenvolvimento neuropsicomotor e acreditamos que os marcos naturais serão alcançados nas idades certas e ela terá o desenvolvimento de uma criança típica, e o melhor, sem sequelas”, disse a médica3.
Doenças detectadas pelo Teste do Pezinho: alguns exemplos
Os programas de triagem neonatal tiveram início depois de demonstrado, na década de 1950, no Reino Unido, que indivíduos com determinada condição neurológica poderiam evitar o desenvolvimento do quadro caso fossem tratados com uma dieta específica antes que o dano pudesse aparecer4. A sequela em questão é provocada pela Fenilcetonúria, uma das doenças rastreadas pelo Teste do Pezinho. Abaixo, leia sobre algumas delas:
Doença Falciforme
De origem genética e hereditária, essa doença afeta a hemoglobina, proteína encontrada nos glóbulos vermelhos e responsável por transportar oxigênio pelo corpo.
Estima-se que há entre 60 mil e 100 mil pacientes com Doença Falciforme no Brasil. Nessas pessoas, as hemácias adquirem a forma de “meia lua” ou “de foice” (em vez da forma redonda, como seriam em condições adequadas), prejudicando a oxigenação correta do organismo e causando má circulação5.
As possíveis consequências envolvem crises de dores severas, infecções, anemia, acidentes vasculares encefálicos e problemas pulmonares, potencialmente fatais6.
Quando a doença não é identificada pelo Teste do Pezinho, a criança pode desenvolver anemia hemolítica entre 8 a 10 semanas de vida, dactilite (síndrome mão-pé), infecções e outros males. O ápice da morbimortalidade ocorre entre 2 a 3 anos de vida, e há risco de óbito devido a processos de sepse, choque e anemia profunda. Por isso, está indicado que o tratamento seja iniciado antes dos 4 meses de vida7.
Fenilcetonúria
Esse distúrbio metabólico, presente em um em cada 10.000 recém-nascidos no mundo, faz com que o corpo seja incapaz de quebrar o aminoácido Fenilalanina no processo de digestão, levando ao seu acúmulo no sangue e no cérebro8.
Isso pode causar danos cerebrais que começam por volta da 3ª semana de vida da criança e se acentuam em torno do 8º mês. Se não tratada, a doença se desenvolve rapidamente e causa prejuízo cognitivo irreversível7.
O principal tratamento é uma dieta controlada, que restringe o consumo de proteínas e também de outros alimentos específicos, como batatas e cereais⁶. Crianças que iniciaram o controle alimentar correto logo nas primeiras semanas de vida geralmente apresentam desenvolvimento cognitivo saudável, demonstrando boa capacidade de leitura e fala, bem como funções neurológicas adequadas9.
Hipotireoidismo congênito
Resulta da ausência ou subdesenvolvimento da glândula tireoide no bebê, ou então de sua incapacidade de produzir hormônio. Indivíduos com essa alteração podem sofrer prejuízos no desenvolvimento cerebral¹⁰, além de atraso no crescimento, perda auditiva, entre outros11.
Sua incidência é de um caso positivo para cada 2.500 nascidos vivos no Brasil¹². Porém, estima-se que apenas 5% das crianças apresentem algum sintoma ao nascer. Antes do Teste do Pezinho, muitos bebês eram diagnosticados tardiamente com essa doença, o que a fez ser, por muito tempo, umas das principais causas de deficiência intelectual no Brasil e no mundo7.
O tratamento deve ser iniciado já nas primeiras semanas de vida, com poucas chances de problemas significativos a longo prazo11.
Qual a diferença entre os testes do pezinho?
Existem atualmente algumas modalidades do Teste de Pezinho, com indicações a depender do caso clínico.
Teste básico
Obrigatório por lei, cobre um número menor de doenças. Antes da aprovação da Lei nº 14.154/2021, eram sete as doenças investigadas pelo sistema público de saúde: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme e outras hemoglobinopatias, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita, deficiência de biotinidase e toxoplasmose congênita.
Porém, a nova diretriz reconhece a necessidade de se ampliar o rol de doenças rastreadas, o que tem sido realizado de forma escalonada pelo Ministério da Saúde¹³.
Testes ampliados
No Laboratório DLE, do Grupo Fleury, oferecemos o teste básico com cobertura de 12 doenças. A partir do protocolo básico, o avanço das tecnologias de análise permitiu a ampliação e o aprofundamento do exame. Assim, desenvolvemos perfis de testes como o Novo Expandido, que amplia a cobertura para 94 doenças, e o Nova Era, capaz de investigar em torno de 400 doenças.
Esse aumento exponencial na cobertura do exame é possível com o uso de tecnologias avançadas de análise genética, como Sequenciamento de Nova Geração (NGS) e Espectrometria de Massas em Tandem (MS/MS). Elas são associadas a análises bioquímicas convencionais, produzindo um resultado mais rápido, mais abrangente, e com menos falso-positivos.
A ampliação dos dados processados através das novas técnicas permite um cruzamento mais complexo e específico, gerando uma análise a nível genômico¹⁴. Ao compreender mais a fundo o perfil genético da criança, e combinando essa informação à avaliação convencional, o profissional de saúde tem a possibilidade de oferecer um cuidado ainda mais personalizado, alinhado à chamada Medicina de Precisão¹⁵.
Visando o sucesso do tratamento, eventuais alterações no resultado do exame são comunicadas em até 3 dias úteis após o recebimento das amostras pela área técnica do laboratório, possibilitando intervenções terapêuticas imediatas em casos confirmados. Uma assessoria médico-científica e laudos com interpretação personalizada são disponibilizados para esclarecer possíveis dúvidas.
Assim, as opções de testes mais abrangentes representam a possibilidade de levar mais instrução e preparo às milhares de pessoas acometidas por doenças potencialmente tratáveis no Brasil, com os inúmeros benefícios da intervenção precoce.
Saiba mais sobre as opções de Teste do Pezinho do Laboratório DLE: https://pezinhonovaera.com.br/
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Referências
- Newborn Screening. Dubay KS, Zach TL. Atualizado em 1 de maio de 2023. Em: StatPearls [Internet]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK558983/. Acesso em: 10 jun. 2024.
- Análise da compreensão de pais acerca do Teste do Pezinho. Mariana G GarciaI; Eleonora A P FerreiraII; Fabiana P S de Oliveira. Abril, 2007. Em: Journal of Human Growth and Development. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822007000100002. Acesso em: 10 jun. 2024.
- Teste do Pezinho ampliado identifica primeiro caso de Atrofia Muscular Espinhal. 22 de fevereiro de 2024. Em: Agência Minas. Disponível em: https://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/teste-do-pezinho-ampliado-identifica-primeiro-caso-de-atrofia-muscular-espinhal. Acesso em: 10 jun. 2024.
- Junho: Um mês de júbilo para a Triagem Neonatal. Armando Fonseca, 28 de junho de 2023. Disponível em: https://www.dle.com.br/wp-content/uploads/2023/06/Artigo_DrArmando_PKU_2023-06.pdf. Acesso em: 10 jun. 2024.
- Doença Falciforme. Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/doenca-falciforme. Acesso em: 10 jun. 2024.
- – Sickle cell disease. Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido – NHS. Disponível em: https://www.nhs.uk/conditions/sickle-cell-disease/. Acesso em: 10 jun. 2024.
- A Importância da Realização Precoce do Teste do Pezinho: O Papel do Enfermeiro na Orientação da Triagem Neonatal. Eva Fernandes Oliveira; Anderson Pereira Souza. Maio, 2017. Em: Id on Line Multidisciplinary and Psycology Journal. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/sangue/pntn/fenilcetonuria-pku. Acesso em: 10 jun. 2024.
- Fenilcetonúria e suas variantes: revisão bibliográfica. Joana Machado; Inês Lopes Cardoso. Monografia Universidade Fernando Pessoa, Porto, 2008. Revista da Faculdade de Ciências da Saúde. Disponível em: https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/927/2/12-22.pdf. Acesso em: 10 jun. 2024.
- Congenital hypothyroidism. British Thyroid Foundation. Revisado em 2018. Disponível em: https://www.btf-thyroid.org/congenital-hypothyroidism. Acesso em: 10 jun. 2024.
- Hipotireoidismo no recém-nascido. Andrew Calabria, em set 2022. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/problemas-de-sa%C3%BAde-infantil/dist%C3%BArbios-hormonais-em-crian%C3%A7as/hipotireoidismo-no-rec%C3%A9m-nascido. Acesso em: 10 jun. 2024.
- Hipotireoidismo Congênito (HC). Ministério da Saúde, em 16 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/sangue/pntn/hipotireoidismo-congenito-hc. Acesso em: 10 jun. 2024.
- Cuidado Neonatal. Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-crianca/cuidado-neonata. Acesso em: 10 jun. 2024.
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- Medicina de Precisão: o que é e que benefícios traz?. Daniela Uziel. Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 23 de dezembro de 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/artigos/artigos/95-medicina-de-precisao-o-que-e-e-que-beneficios-traz. Acesso em: 10 jun. 2024.
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