Doença de Gaucher pode ser diagnosticada desde o pré-natal até a idade adulta: conheça o quadro

A Doença de Gaucher é um erro inato do metabolismo causado por uma mutação genética que desencadeia uma série de alterações bioquímicas no organismo. Essas alterações podem levar a severas disfunções neurológicas, hematológicas, hepáticas, cardiovasculares, ósseas, dentre outras, além de abreviar a expectativa de vida.

Como outras doenças raras, a patologia apresenta desafios ao diagnóstico por conta de seus sintomas variados e inespecíficos. Sua principal característica, no entanto, são quadros de hepatoesplenomegalias, devendo assim ser consideradas como diagnóstico diferencial diante desses casos.

A identificação da doença em estágio inicial é de fundamental importância para a redução da mortalidade e bom prognóstico, uma vez que conta com terapias direcionadas de eficácia comprovada para grande parte dos casos. 

No artigo a seguir, saiba mais sobre as diferentes formas da doença, suas principais manifestações e os caminhos diagnósticos e terapêuticos para seu manejo.

O que é a Doença de Gaucher

A doença de Gaucher (DG) é uma doença genética rara e hereditária de padrão autossômico recessivo, caracterizada pelo acúmulo de lipídios nas células, o que compromete o funcionamento de diversas estruturas, como o baço, fígado, medula óssea e sistema nervoso central.

Esse erro inato do metabolismo é causado por uma mutação no gene GBA1, localizado no cromossomo 1p21, que leva a deficiência na atividade da enzima beta-glicocerebrosidase. Essa alteração afeta o metabolismo lipídico, resultando em acúmulo de glicocerebrosídeo nos macrófagos¹, formando, assim, as células de Gaucher.

O nível da atividade enzimática, assim como as manifestações presentes em cada caso, determinam o tipo da doença, que podem ser três, além de dois subtipos (veja adiante na matéria). Dessa forma, a apresentação clínica é bastante ampla³. 

A doença de Gaucher é a mais comum das glicoesfingolipidoses e a primeira a contar com tratamento específico com a terapia de reposição enzimática (TRE)¹. Como é comum em doenças raras, o prognóstico é afetado pelo momento do diagnóstico, uma vez que se trata de um quadro progressivo. No entanto, com o tratamento direcionado e medidas de apoio, é possível prevenir sequelas e melhorar a sobrevida do paciente¹.

Tipos da Doença de Gaucher e suas manifestações

A classificação da doença é realizada em três fenótipos, sendo que o desenvolvimento e gravidade do quadro varia de um para o outro.

Ainda assim, a presença de hepatoesplenomegalia — especialmente em pacientes pediátricos — deve levantar a hipótese de Doença de Gaucher como diagnóstico diferencial⁴, já que esse é o principal sinal de alerta da patologia.

Conheça os tipos da Doença de Gaucher: 

  • Tipo I (não neuropática): é a forma mais frequente da DG, representando cerca de 90% dos casos. Nela, a atividade residual da enzima beta-glicocerebrosidase é alta, e o início das manifestações pode ocorrer tanto na infância quanto na vida adulta.³ Os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar graus variados de hepatoesplenomegalia, manifestações hematológicas¹ e doenças ósseas, bem como déficit de crescimento e puberdade tardia³. 
  • Tipo II (neuropática aguda): trata-se da forma mais grave da doença – e também a mais rara. Nela, a atividade enzimática é mais baixa, e os primeiros sintomas geralmente se manifestam nos primeiros meses de vida do bebê.³ Esta forma da doença é associada a alterações neurológicas graves¹ e deterioração neurológica progressiva³, além do quadro de hepatoesplenomegalia¹. 

Tipo III (neuronopática subaguda): tanto a gravidade quanto a atividade enzimática deste tipo da doença ficam entre os tipos I e II³. Nela, também há comprometimento do sistema nervoso central², porém o início do quadro pode ocorrer em qualquer momento da infância³. As manifestações clínicas estão associadas a disfunção neurológica lentamente progressiva¹, incluindo demência e ataxia³. Também envolvem hepatoesplenomegalia, anemia, trombocitopenia e acometimento ósseo.

Diagnóstico para a Doença de Gaucher

Por se tratar de uma doença rara e com sintomas inespecíficos, a DG é frequentemente subdiagnosticada. Assim, sua identificação depende de um alto grau de suspeição por parte de pediatras e médicos generalistas, principalmente diante de casos de hepatoesplenomegalia.
A investigação pode ocorrer em diferentes momentos, desde o pré-natal até a idade adulta. Os cenários para a investigação da doença são:

  • Resultados anormais na Triagem Neonatal: embora não esteja incluída no exame básico, a triagem para a Doença de Gaucher é feita pelas versões mais completas do Teste do Pezinho. O Nova Era, do Laboratório DLE/Grupo Fleury, rastreia os três tipos da DG, além da manifestação atípica da doença. Diante de valores incomuns da atividade enzimática, testes adicionais são indicados para a confirmação diagnóstica.
  • Indivíduos sintomáticos: considerando a idade e sintomatologia do indivíduo, que pode combinar, conforme descrito acima, manifestações no sistema nervoso central, ósseo, hematológico e outros achados da história clínica e familiar.
  • Histórico familiar: a investigação pode ser considerada em casos de irmãos diagnosticados com formas da doença ou pais/irmãos identificados com mutações no gene GBA1. É possível realizar o rastreio ainda na fase pré-natal, por meio de análise bioquímica ou genética.

O diagnóstico se dá por meio de análise da atividade enzimática em leucócitos do sangue periférico, ou outras células nucleadas, ou pela identificação de variantes patogênicas no gene GBA1 em testes genéticos moleculares⁷. Esses últimos, que podem incluir análises de gene único ou painéis multigenes⁷, também são úteis para diferenciar o tipo da doença³.

Em alguns casos, pode-se realizar biópsia da medula óssea e outras estruturas em busca das células de Gaucher.³

Tratamento e acompanhamento para a Doença de Gaucher

O manejo da DG envolve tanto medidas de suporte como terapia direcionada¹. Para essa última, são dois os tratamentos disponíveis: 

  • terapia de reposição enzimática (TRE), que repõe de forma artificial a enzima deficiente;
  • terapia de redução de substrato (ISS), que inibe a síntese de glicocerebrosídeo⁷, sendo uma alternativa aos pacientes impossibilitados de receber a reposição³. 

Em certos casos, também pode-se utilizar transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH).⁷

Com resposta altamente efetiva quando se trata do tipo I da DG², a terapia direcionada é indicada também para o tipo III da doença.². No entanto, mostra-se ineficaz no tipo II, pois, ainda que haja melhora da sobrevida, os acometimentos neurológicos mantêm-se inalterados.⁷ Os cuidados paliativos são essenciais nesse caso, bem como no de indivíduos que tiveram acesso ao tratamento tardiamente¹.

Já as medidas de suporte requerem o acompanhamento por uma equipe multidisciplinar, visando a melhora dos sintomas específicos expressos em cada caso. Elas podem incluir:¹

  • Manejo de dores;
  • Controle da osteoporose, cirurgias⁷ e colocação de prótese óssea;
  • Uso de anticonvulsivante;
  • Terapia de reabilitação;
  • Acompanhamento nutricional e orientação à atividade física;
  • Aconselhamento genético;
  • Prevenção ao câncer;
  • Transfusão de sangue em casos de anemia severa⁷;
  • Acompanhamento com pneumologista e/ou cardiologista⁷;
  • Acompanhamento com neurologista, bem como psiquiatra e psicólogo⁷, entre outros.

Apesar de se tratar de uma condição bastante severa, a Doença de Gaucher, como muitas doenças raras, tem boas possibilidades terapêuticas quando identificada em tempo oportuno. Sendo assim, é fundamental que o seu diagnóstico ocorra o mais breve possível, a fim de que o tratamento tenha um impacto positivo na vida de milhares de pessoas.

Referências: 

Doença de Gaucher. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/doencagaucher.pdf.

Doença de Gaucher: uma abordagem diagnóstica, evolução clínica e revisão. Brazilian Journal of Health Review. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/download/63160/45426/153913.

Doença de Gaucher. Manuais MSD – Versão Profissional. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/pediatria/disfun%C3%A7%C3%B5es-metab%C3%B3licas-heredit%C3%A1rias/doen%C3%A7a-de-gaucher.

Importância do diagnóstico precoce da Doença de Gaucher: relato de caso. Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas – Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Disponível em: https://periodicos.ufam.edu.br/index.php/revistahugv/article/view/9835/7138.

Fetal Gaucher disease. Orphanet. Disponível em: https://www.orpha.net/en/disease/detail/85212.

Gaucher disease-ophthalmoplegia-cardiovascular calcification syndrome. Orphanet. Disponível em: https://www.orpha.net/en/disease/detail/2072.

Gaucher Disease. National Center for Biotechnology Information (NCBI). Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1269/.

Nova Era – Triagem Neonatal Genética e Bioquímica. DLE Medicina Laboratorial. Disponível em: https://www.dle.com.br/areas-de-atuacao/triagem-neonatal-teste-do-pezinho/nova-era/.

Doença de Gaucher. Orphanet. Disponível em: https://www.orpha.net/pt/disease/detail/355?name=Doen%C3%A7a%20de%20Gaucher&mode=name.