Aconselhamento Genético: as orientações que podem melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças genéticas

A Natural Society for Genetic Counselors, nos Estados Unidos, define o aconselhamento genético (AG) como o processo de ajudar as pessoas a compreender e se adaptar às implicações médicas, psicológicas e familiares decorrentes da contribuição genética para uma determinada afecção.1

Já o National Human Genome Research Institute2, também nos Estados Unidos, diz que essa orientação deve ser feita por um profissional de saúde especializado, como o geneticista, também chamado de aconselhador genético, que fornece informações sobre como uma condição genética pode afetar um indivíduo ou família, além de interpretar testes que ajudam a estimar o risco de uma doença.

Esses profissionais devem esclarecer de forma clara e adequada as condições de cada família sobre a contribuição da hereditariedade (material genético), exames disponíveis, tratamentos, medidas de prevenção e escolhas reprodutivas, para que os pacientes e consulentes se adaptem da melhor forma possível à condição genética na qual estão envolvidos.3

Entender os mecanismos de expressão gênica e o papel biológico dos produtos gênicos é um dos passos para o tratamento dessas afecções e as descobertas da área, em especial da Genética Molecular, vem contribuindo de maneira significativa para a compreensão dos fenômenos biológicos envolvidos na etiologia e progressão de doenças.

Uma equipe, várias frentes de atuação

O aconselhamento genético consiste em verificar a probabilidade de uma doença genética ocorrer em uma família. Nesse tipo de consulta, o médico coleta o histórico de saúde, realiza o exame físico e, caso necessário, solicita testes para complementar a investigação de uma determinada suspeita.

Por isso, acredita-se que o aconselhamento genético deva ser realizado em caráter multidisciplinar, fornecendo ao paciente um amplo espectro de intervenções que promovam o conhecimento sobre todos os aspectos relacionados ao problema genético.3

No Brasil, até o momento, o médico geneticista é o único profissional credenciado para realizar aconselhamento genético.4

O médico pode indicar a consulta com um geneticista nos seguintes casos:

  • casais com dificuldades para engravidar;
  • casais já possuem filhos com doenças genéticas e querem investigar quais os riscos de gerar outros filhos com a mesma doença.
  • casais consanguíneos que querem ter filhos;
  • exames pré-natais apontam que o bebê tem risco aumentado para esse tipo de problema
  • a triagem neonatal rastreia a possibilidade de doenças hereditárias ou genéticas;
  • mulheres que pretendem engravidar após os 35 anos de idade e o médico acredita que possa haver riscos para o bebê;
  • mulheres que foram expostas a determinadas substâncias, como químicos e radiação, ou fizeram algum tratamento medicamentoso na gestação que possa prejudicar o feto;
  • mulheres com histórico e abortos espontâneos ou óbitos neonatais.

Casais que desejam conhecer medidas preventivas para uma gestação saudável (também chamado aconselhamento genético primário) sem, necessariamente, haver um risco real de desenvolver uma doença genética, também podem se beneficiar desta consulta. O aconselhador pode indicar o uso de suplementos, como o ácido fólico periconcepcional, a realização de sorologias, ou passar informações sobre os perigos do uso de álcool e drogas, por exemplo. São medidas simples, que ajudam na saúde da mãe e do bebê.

Triagem neonatal: o início da jornada rumo ao diagnóstico

Os testes de triagem neonatal oferecidos a todos os brasileiros são obrigatórios e de extrema importância, pois por meio deles é possível realizar o diagnóstico precoce de doenças e tratamento adequado.

O teste do pezinho, em fase de ampliação pelo Ministério da Saúde5, investiga o aparecimento de doenças congênitas assintomáticas em recém-nascidos. Deve ser realizado preferencialmente entre o 3º e o 5º dia de vida do bebê6, mas pode ser feito até o 30º dia, se necessário.

O exame feito a partir do sangue coletado do calcanhar do recém-nascido permite identificar doenças graves, como:

  1. Fenilcetonúria – esse distúrbio metabólico, presente em um em cada 10 mil recém-nascidos no mundo, pode causar danos cerebrais que começam por volta da 3ª semana de vida da criança e se acentuam em torno do 8º mês. A doença não tem cura, mas o tratamento pode ser iniciado imediatamente após o resultado do teste do pezinho, que envolve uma dieta especial, evitando o consumo da fenilalanina presente em alimentos.
  2. Hipotireoidismo congênito – é causado pela incapacidade da glândula tireóide do recém-nascido em produzir quantidades adequadas de hormônios tireoidianos, resultando em uma redução generalizada dos processos metabólicos. Crianças sem diagnóstico podem ter o crescimento e o desenvolvimento mental comprometidos.
  3. Doença falciforme e outras hemoglobinopatias – em pessoas com essa condição, os glóbulos vermelhos, que antes eram flexíveis e arredondados, perdem a forma natural bicôncava, tornando-se disformes e rígidos, lembrando o formato de uma foice (palavra que se origina do latim “falx”, por isso o nome “falciforme”). Se diagnosticadas pelo teste do pezinho, os pais podem iniciar a implementação de cuidados preventivos imediatamente. Além disso, a confirmação permite aprofundar o conhecimento sobre a condição genética da família e o risco de recorrência por meio do aconselhamento genético.
  4. Fibrose cística – é uma doença genética rara, crônica e progressiva que afeta diversos órgãos, principalmente os pulmões e o pâncreas. Os sintomas se manifestam geralmente em torno dos primeiros anos de vida e os programas de triagem neonatal são de fundamental importância para o seu acompanhamento adequado.
  5. Hiperplasia adrenal congênita – considerada uma doença genética rara, afeta as glândulas suprarrenais. Os sintomas vão desde alterações na genitália, estatura abaixo do normal até o surgimento precoce de pelos. Se identificada nas primeiras horas de vida pelo teste do pezinho, o tratamento adequado pode ser iniciado rapidamente, evitando complicações da doença.
  6. Deficiência de biotinidase – é uma doença genética rara caracterizada pela falta da enzima responsável pelo metabolismo da biotina, uma vitamina existente nos alimentos e indispensável para a atividade de diversas enzimas. Com o diagnóstico precoce, o uso de biotina previne alterações clínicas e bioquímicas.
    Nesse sentido, o aconselhamento genético após a triagem neonatal pode fornecer informações adicionais sobre os próximos passos após os resultados iniciais do Teste do Pezinho. Se o recém-nascido apresentar resultados que sugerem uma condição genética, o aconselhamento pode esclarecer a sua etiologia e orientar sobre os próximos passos necessários.

Os avanços tecnológicos que beneficiam a medicina de precisão

A Organização Mundial da Saúde considera rara quando uma doença afeta até 65 mil pessoas em cada cem mil indivíduos. Estima-se que 80% das doenças raras no mundo têm causa genética e muitas delas não têm cura. Por isso, a incorporação de novas tecnologias e o desenvolvimento de protocolos para orientação e tratamento dessas doenças podem ajudar a criança já nos primeiros meses de vida.

Estão disponíveis no mercado exames de triagem que cobrem um número maior de doenças. A diferença entre eles está nas técnicas utilizadas. Esse aumento exponencial na cobertura só é possível com o uso de instrumentos avançados de análise genética, como Sequenciamento de Nova Geração (NGS) e Espectrometria de Massas em Tandem (MS/MS) que, associados a análises bioquímicas convencionais, produzem um resultado mais rápido, mais abrangente, e com menos falso-positivos.

Ao compreender mais a fundo o perfil genético da criança, e combinando essa informação à avaliação bioquímica convencional, o profissional de saúde tem a possibilidade de oferecer um cuidado ainda mais personalizado e o adequado aconselhamento genético, permitindo que mães e famílias enfrentem os desafios com informações claras e suporte especializado.

Clique aqui e saiba mais sobre os Testes do Pezinho oferecidos pelo DLE.

O AG na rotina clínica: um futuro possível

Os testes genéticos, considerados um marco da medicina moderna por oferecer diagnósticos precisos e personalizados, prometem avanços significativos e com tecnologias mais avançadas. Para se adequar a essa nova demanda, os laboratórios de análises clínicas estão investindo cada vez mais em pesquisa e desenvolvimento para que, em um futuro bem próximo, o tempo para o diagnóstico de doenças seja cada vez mais curto e com resultados mais precisos e acessíveis.

A tendência é que, aos poucos, os exames desse tipo fiquem mais acessíveis e o aconselhamento genético faça parte da rotina clínica. Juntos, eles vão permitir não só determinar a natureza dos riscos, mas as opções disponíveis de tratamento e as consequências de cada escolha.

.

.

.

.

Referências

  1. National Society of Genetic Counselors. Disponível em: https://www.nsgc.org/.
  2. National Human Genome Research Institute. “Genetic Counseling”. Disponível em: https://www.genome.gov/genetics-glossary/Genetic-Counseling. Acesso em 28 ago. 2024.
  3. FAMERP, “Aconselhamento genético: definindo alguns problemas e soluções”. Disponível em: https://repositorio-racs.famerp.br/racs_ol/vol-20-1/ID_503_(Volume_20(1)_2013_jan-mar.pdf.
  4. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: “Principais Questões sobre Aconselhamento Genético”. Rio de Janeiro, 04 mar. 2022. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-aconselhamento-genetico/.
  5. Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2021/05/teste-do-pezinho-sera-ampliado-e-detectara-ate-50-novas-doencas . Acesso em 03/08/2024.
  6. Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-crianca/cuidado-neonatal . Acesso em 03/08/2024
  7. Genomic and your health – CDC. Disponível em https://www.cdc.gov/genomics-and-health/about/genetic-counseling.html. Acesso em 03 ago. 2024.
  8. National Library of Medicine. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK115552 . Acesso em 03/08/2024.

.

.