Os distúrbios do metabolismo dos ácidos orgânicos, também conhecidos como acidemias e acidúrias orgânicas, são um grupo heterogêneo de doenças metabólicas hereditárias envolvendo tipicamente vias metabólicas envolvidas na degradação dos aminoácidos, carboidratos, e ácidos graxos. Todas estas doenças são caracterizadas pelo acúmulo de ácidos orgânicos e seus derivados nos tecidos, sangue, urina e outros líquidos corporais. As acidemias orgânicas que envolvem o acúmulo de ésteres de acil-CoA nas mitocôndrias, estão associadas ao aumento de acilcarnitinas específicas, que podem ser detectadas pelo Perfil Tandem no período neonatal e confirmadas pelo Perfil de Acilcarnitinas Quantitativo.
Os sintomas clínicos geralmente se manifestam no neonato ou no lactente, sob a forma de vômitos, convulsões e coma, acompanhados das seguintes alterações laboratoriais: acidose, cetonemia, hipoglicemia, e hiperamonemia. Caso o diagnóstico não seja realizado e o tratamento específico não seja instituído, os distúrbios dos ácidos orgânicos costumam ter um curso fatal e os sobreviventes apresentam seqüelas severas.
As acidemias orgânicas mais comuns são as acidemias (acidúrias) propiônica (PA), metilmalônica (MMA), e isovalérica (IVA), a acidúria glutárica tipo I (deficiência de glutaril-CoA desidrogenase – GA-I) e a deficiência de 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA liase (HMG-CoA liase). A acidemia propiônica é devida à deficiência de propionil-CoA carboxilase, uma enzima mitocondrial dependente de biotina, enquanto a acidemia metilmalônica é devida à deficiência de metilmalonil-CoA mutase, uma enzima dependente de vitamina B12. Os defeitos enzimáticos da PA e da MMA são interligados, conforme figura A1. O catabolismo dos aminoácidos isoleucina, valina, treonina, e metionina, dos ácidos graxos de número ímpar de carbonos, e da cadeia lateral do colesterol, resulta na formação de propionil-CoA, que é convertido a metilmalonil-CoA, entrando seus produtos no ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa. Na PA e MMA, entretanto, estes e outros compostos relacionados se acumulam no sangue e tecidos e são excretados em grandes concentrações na urina.
A apresentação e a severidade das acidemias orgânicas variam amplamente entre os pacientes. Nas formas mais severas de PA e MMA, os pacientes apresentam sintomas no período neonatal, que podem incluir recusa alimentar e vômitos, letargia, hipotonia, convulsões, e coma. Os achados bioquímicos incluem cetoacidose metabólica, hiperamonemia, e freqüentemente hipoglicemia. Pode ocorrer supressão da medula óssea, resultando em neutropenia e trombocitopenia. Mesmo quando sob tratamento, estas crianças freqüentemente descompensam clínica e bioquimicamente, particularmente durante doenças infecciosas e constipação. Entre estes episódios, eles são geralmente anoréticos, freqüentemente hipotônicos e apresentam retardo do desenvolvimento. Os pacientes com formas mais leves de PA e MMA podem permanecer relativamente assintomáticos até que ocorra um episódio de descompensação geralmente relacionada à infecção.
Tratamento
Numa crise metabólica aguda, o tratamento envolve proporcionar ampla hidratação endovenosa contendo grandes quantidades de glicose (pelo menos 10% de dextrose), para reverter a hipoglicemia e reduzir o catabolismo. Bicarbonato é administrado para reverter a acidose metabólica. Carnitina é suplementada para formar propionilcarnitina, que facilita a excreção de propionil-CoA. Em casos de acidose metabólica intratável ou coma, a hemodiálise está indicada para ajudar a corrigir o distúrbio bioquímico e eliminar os intermediários tóxicos.
Os pacientes com PA e MMA requerem uma dieta com conteúdo restrito em treonina, metionina, isoleucina e valina. O regime dietético inclui proporcionar uma fórmula sintética livre destes aminoácidos ofensivos, eliminar alimentos ricos em proteína da dieta, e repô-los com alimentos com conteúdo natural de proteínas mais baixo. Esta abordagem proporciona proteína natural suficiente só para o crescimento adequado, pois qualquer proteína em excesso pode levar ao acúmulo de compostos intermediários tóxicos e pode precipitar uma crise metabólica. Em alguns casos leves de variante de MMA, a suplementação com vitamina B12 estimula a atividade residual da enzima, ajudando a normalizar o fluxo pela via metabólica defeituosa sem a necessidade de dietoterapia. Suplementos de carnitina são usados para aumentar a síntese de propionilcarnitina, ajudando na eliminação de propionil CoA. Cursos regulares de terapia antibiótica podem eliminar as bactérias intestinais produtoras de propionato, que podem servir como uma fonte significativa de propionato endógeno. Desde que a constipação pode promover um aumento da absorção intestinal de propionato, atenção a hábitos regulares do intestino é uma parte importante do cuidado domiciliar de indivíduos com PA e MMA. Os pais são ensinados a observar sintomas de interesse em seus filhos. A monitoração domiciliar dos corpos cetônicos urinários pode ser um auxiliar útil no controle da estabilidade metabólica. Quando sinais precoces de instabilidade são identificados, os pais podem freqüentemente implementar alterações no tratamento domiciliar seguindo as orientações de especialistas em doenças metabólicas.
PA e MMA não tratadas podem resultar em retardo psicomotor severo e morte. Mesmo com tratamento, pacientes ainda desenvolvem crises metabólicas recorrentes, estando em risco de complicações neurológicas em longo prazo, incluindo retardo do desenvolvimento, hipotonia, infartos cerebrais e morte. O motivo para este resultado decepcionante é obscuro. A incidência e severidade das crises metabólicas geralmente diminuem com o avançar da idade, e pacientes com variantes leves podem permanecer íntegros do ponto de vista neuropsicomotor se os episódios periódicos de descompensação forem tratados agressivamente. Os pacientes com MMA permanecem com significativo risco para desenvolver doença renal na infância tardia e adolescência. A identificação pré-sintomática, isto é por triagem neonatal, através do Teste do Pezinho Expandido, capacita a implementação precoce da dietoterapia, da suplementação com vitaminas, da terapia com medicamentos e o manejo agressivo de doenças intercorrentes, ajudando assim a reduzir as complicações neuropsicomotoras em longo prazo.