POR QUE JUNHO É O MÊS DA TRIAGEM NEONATAL?

Junho é um mês significativo para a Triagem Neonatal, marcando um período de conscientização global sobre a importância dos testes como medida preventiva de danos à saúde dos bebês. Este artigo explora a evolução histórica da triagem neonatal, seus avanços tecnológicos e a contínua relevância desses programas na saúde pública.

Antes da introdução da triagem neonatal, a fenilcetonúria (PKU), uma doença descrita por Fölling em 1934, era um distúrbio devastador no qual os indivíduos afetados apresentavam severo comprometimento neurológico e intelectual. Eles eram destinados a uma vida de cuidados especiais, frequentemente afastados do convívio social. A triagem neonatal começou somente após demonstrar que os indivíduos com PKU poderiam ser tratados com uma dieta modificada. Se essa dieta fosse iniciada antes do dano neurológico, eles poderiam levar uma vida normal posteriormente.

Em 1951, em Birmingham, Reino Unido, foi desenvolvida a primeira dieta eficaz para PKU, marcando um avanço significativo na história da doença e da triagem neonatal. Sheila Jones, uma menina de dois anos com PKU, sua mãe Mary, e três profissionais do Hospital Infantil de Birmingham — a bioquímica Evelyn Hickmans, o pediatra John Gerrard e o médico Horst Bickel — foram os pioneiros dessa abordagem, possibilitando a mudança do curso natural da doença PKU para crianças em todo o mundo.

Sem o trabalho deles, o tratamento efetivo da PKU teria sido retardado e o estímulo necessário para a introdução precoce da triagem neonatal em toda a população também teria ocorrido de forma mais lenta. Isso teria sido prejudicial não apenas para aqueles com PKU, mas também para outras condições posteriormente incluídas nos programas de triagem neonatal.

Os testes de triagem neonatal tiveram início na década de 1960, quando o Dr. Robert Guthrie, médico microbiologista, desenvolveu com a ajuda da enfermeira Ada Susi, enfermeira técnica-chefe, um exame de inibição bacteriana para detectar os níveis de fenilalanina, responsável pela PKU. Este teste permitia a detecção precoce da PKU e possibilitava a introdução da dieta restritiva de fenilalanina a tempo de prevenir as sequelas neurológicas da doença.

A facilidade de obtenção de amostras de sangue por meio de punção do calcanhar dos recém-nascidos — daí o nome “Teste do Pezinho” — e a capacidade de acondicionar essas amostras em papel filtro, na forma de gotas secas de sangue, tornaram seguro o transporte dessas amostras biológicas para laboratórios especializados, mesmo em longas distâncias, sem a necessidade de refrigeração.

A genialidade deste teste estava em sua simplicidade, beneficiando milhares de bebês com diagnóstico precoce. Estima-se que, desde o início dos programas de triagem massiva a partir da década de 1960, 750 milhões de recém-nascidos tenham sido triados para PKU em todo o mundo. Destes, cerca de 62.000 crianças diagnosticadas com essa doença tenham se beneficiado com a intervenção precoce, mudando suas vidas.

Em meados da década de 1960, JMG Wilson, do Ministério da Saúde da Grã-Bretanha, e G. Jungner, do Sahlgren’s Hospital de Gotemburgo, Suécia, compilaram critérios para a implantação de programas de triagem. O boletim com essas recomendações, publicado pela Organização Mundial da Saúde em 1968, é um clássico da saúde pública.

Wilson e Jungner definiram os principais critérios da triagem e elucidaram os princípios que devem orientar os esforços nesse campo, sendo a existência de um tratamento eficaz, eficiente e disponível para todos um dos critérios essenciais para a inclusão de uma doença.

Os programas de triagem neonatal têm um importante impacto na saúde pública e foram reconhecidos pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention) em 2011 como uma das “Dez Grandes Conquistas de Saúde Pública”. A qualidade desses programas não deve ser avaliada apenas pelo exame laboratorial, mas também pelo processo contínuo de conscientização sobre sua importância, o momento adequado da coleta, a rapidez na obtenção do diagnóstico definitivo e a disponibilidade de centros especializados para tratamento e acompanhamento ao longo da vida, em muitos casos.

A evolução tecnológica tem permitido a inclusão de outras doenças nos programas de triagem neonatal, avançando na detecção de doenças raras com possibilidade de tratamento precoce para prevenir danos à saúde, seguindo o conceito inicial da PKU há cerca de 60 anos. Incentivos ao desenvolvimento de novas terapias para doenças raras também têm impulsionado esses programas como ferramenta de diagnóstico precoce.

A tecnologia de Espectrometria de Massas em Tandem (MS/MS) trouxe a bioquímica genética para a triagem neonatal, permitindo a análise simultânea de um painel de aminoácidos e acilcarnitinas. Isso tornou possível a detecção de aproximadamente 40 diferentes doenças metabólicas hereditárias. Mais recentemente, a genética molecular introduziu a era genômica, possibilitando o diagnóstico de centenas de doenças raras e abrindo novas oportunidades terapêuticas.

Por fim, segundo estimativas da ONU em 2020, aproximadamente 140 milhões de bebês nascem no mundo a cada ano. No ano de 2021, 39 milhões destes bebês passam por alguma forma de Triagem Neonatal por meio de testes em sangue seco em papel de filtro ao nascer, o que corresponde a 28% de todos os bebês nascidos do mundo naquele ano. Embora seja um número expressivo de recém-nascidos beneficiados, isso corresponde a pouco menos de um terço do total de nascidos vivos, evidenciando o quanto ainda há por fazer. Esta constatação motivou a criação, em 2021, de uma Força-Tarefa sobre Triagem Neonatal Global, com a união de esforços da Federação Internacional de Química Clínica (IFCC) e da Sociedade Internacional de Triagem Neonatal (ISNS), visando à implantação ou ao aprimoramento de programas de triagem neonatal em países em desenvolvimento.

REALIDADE

Em 39 milhões de recém-nascidos examinados ao nascer em 2021 no mundo, 38.000 foram identificados com algum tipo de doença ou condição rara, a tempo de receber acesso oportuno a um tratamento.

CONSTATAÇÃO

Apenas 1 em cada 3 bebês recebe rastreio de qualquer tipo, muitos selecionados para apenas 1 ou 2 doenças/condições.

CONCLUSÃO

Cerca de 102.000 bebês a mais poderiam ter sido salvos globalmente da morte ou ter a oportunidade de melhoria do desfecho de sua doença ou condição.

O que há para se comemorar em junho na Triagem Neonatal?

Em todo o mundo, o dia 28 de junho é celebrado como o Dia Internacional da Triagem Neonatal e da Conscientização da PKU, marcando também o aniversário dos dois pioneiros da Triagem Neonatal: Dr. Horst Bickel e Dr. Robert Guthrie.

No Brasil, os testes de triagem neonatal foram disponibilizados na segunda metade da década de 1970 por laboratórios independentes. Em 2001, uma portaria ministerial publicada em 6 de junho criou o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). Desde então, o dia 6 de junho e todo o mês são dedicados à conscientização sobre o “Teste do Pezinho”, destacando a importância da triagem neonatal como medida preventiva de danos à saúde dos bebês. Uma nova lei, aprovada em maio de 2021, abre espaço para o aprimoramento do PNTN em nosso país, fortalecendo ainda mais essa importante iniciativa.

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Autor

Dr. Armando Fonseca, MD e MBA, especialista em Pediatria e Patologia Clínica/Medicina Laboratorial Coautor do “Manual de Triagem Neonatal” Editora Rúbio 2006; Fundador e atual diretor médico do laboratório DLE – uma empresa que integra do Grupo Fleury; Implantou os laboratórios institucionais de Triagem Neonatal da Apae Rio e Salvador; Especialista em Triagem Neonatal nomeado pela SBAC (Sociedade Brasileira de Análises Clínicas) como representante do Brasil na Task Force on global NBS IFCC-ISNS; Sócio fundador, ex-presidente e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo – SBTEIM; Ex-presidente e conselheiro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial – SBPC/ML.
Membro associado das sociedades científicas: Sociedade Brasileira de Genética Médica-SBGM, Sociedade Brasileira de Pediatria-SBP, Sociedad Latinoamericana de Errores Innatos del Metabolismo y Pesquisa Neonatal-SLEIMPN, Sociedade Portuguesa de Doenças Metabólicas-SPDM, Sociedade para o Estudo dos Erros Inatos do Metabolismo-SSIEM e da Sociedade Internacional de Newborn Screening ISNS.

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Bibliografia

  • Følling, A. Über Ausscheidung von Phenylbrenztraubensäure in den Harn als Stoffwechselanomalie in Verbindung mit Imbezillität (The excretion of phenylpyruvic acid in the urine, an anomaly of metabolism in connection with imbecility). Z. Für Physiol. Chem. 1934, 227, 169–176.
  • Bickel, H.; Gerrard, J.; Hickmans, E.M. The Influence of Phenylalanine Intake on the Chemistry and Behaviour of a Phenylketonuria Child. Acta Paediatr. 1954, 43, 64–77.
  • A Simple Phenylalanine Method for Detecting Phenylketonuria in Large Populations of Newborn Infants, by Robert Guthrie and Ada Susi, Pediatrics, 1963;32:318–343.
  • Andermann A, Blancquaert I, Beauchamp S, Déry V. Revisiting Wilson and Jungner in the genomic age: a review of screening criteria over the past 40 years. Bulletin of the World Health Organization 2008, Volume 86, Number 4, April 2008, 241-320.