TRIAGEM NEONATAL DE DOENÇA FALCIFORME: CUIDADOS NECESSÁRIOS QUANDO BEBÊS SÃO SUBMETIDOS À TRANSFUSÃO SANGUÍNEA

A Doença Falciforme (DF) é uma hemoglobinopatia caracterizada por uma mutação genética em que os glóbulos vermelhos, responsáveis pela oxigenação das células, assumem a forma de “foice”, ou lua minguante. Nesse formato, são impedidos de oxigenar o organismo corretamente pois apresentam dificuldade de circular pelos vasos sanguíneos mais estreitos, tornando o sangue viscoso e acarretando vários problemas de saúde.¹

Neste artigo, discutiremos a importância do Teste do Pezinho, parte do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), para a investigação e detecção precoce da DF e abordaremos os cuidados necessários na triagem neonatal em casos de recém-nascidos submetidos à transfusão sanguínea.

A GENÉTICA DA DOENÇA FALCIFORME

Atualmente no Brasil, a média anual de novos casos de crianças diagnosticadas com DF é de 1.087 a cada 10 mil nascidos vivos. Hoje, no país, estima-se que entre 60 mil e 100 mil pessoas convivem com a doença.¹

A DF é uma doença genética e hereditária caracterizada por uma mutação no gene que produz a hemoglobina (HbA), fazendo surgir uma hemoglobina mutante, denominada S (HbS), que é de herança autossômica recessiva, ou seja, transmitida de geração em geração¹. Pessoas com DF possuem duas cópias do gene falciforme, herdadas de ambos os pais.²

São abarcadas pelo termo “Doença Falciforme” as hemoglobinopatias, onde o fenótipo predominante é o da HbS, mesmo quando combinada com outra hemoglobina variante (HbVar). Os tipos de DF mais comuns são o HbSS, a HbS-beta Talassemia e as duplas heterozigoses HbSC e HbSD. Essas variações, resultantes de heterozigoses compostas, podem apresentar diferentes quadros clínicos.³

A mudança de formato dos glóbulos vermelhos, que se achatam e se assemelham a uma “foice”, ocorre em situações de esforço físico, estresse, frio, traumas, desidratação, infecções, entre outros. Os principais sintomas incluem crises de dor, icterícia, anemia, crise de sequestração esplênica, AVC, síndrome torácica aguda, crise aplástica, entre outros.¹ Destaca-se também na Doença Falciforme, a suscetibilidade a infecções, comprometimento da função imunológica e atraso no desenvolvimento e crescimento da criança.⁴

Em resumo, suas manifestações clínicas podem afetar, assim, vários órgãos e sistemas, ocorrendo a partir do primeiro ano e se estendendo por toda vida.

O PAPEL DA TRIAGEM NEONATAL NA DETECÇÃO PRECOCE DA DOENÇA FALCIFORME

O diagnóstico precoce da DF visa minimizar riscos e complicações decorrentes desta condição, propiciando uma conduta adequada à criança juntamente a um acompanhamento multidisciplinar. Sabe-se que intervenções precoces em casos de diagnósticos confirmados podem diminuir hospitalizações e complicações agudas.

Como protocolo de detectação, a Triagem Neonatal consiste em um conjunto de ações e exames preventivos, com metodologias de rastreamento, que possibilitam identificar uma série de doenças e condições de origem genética, infecciosa, hormonal, metabólica e imunológica em bebês logo após o nascimento, mesmo que não aparentes nas primeiras horas de vida.⁵

Um dos exames essenciais neste protocolo é o Teste do Pezinho, reconhecido por sua capacidade de investigar várias condições genéticas e metabólicas, incluindo a DF. Existem diferentes tipos de Teste do Pezinho, variando na quantidade de doenças e condições pesquisadas. Um resultado sugestivo e positivo no teste não necessariamente significa que o bebê tenha a doença, mas sim de que existe a necessidade de continuar a investigação para confirmar o diagnóstico ou excluí-lo.

Métodos de maior especificidade e sensibilidade, como a eletroforese de hemoglobina feita por HPLC (High-Performance Liquid Chromatography) ou Focalização Isoelétrica, são utilizados no diagnóstico de certeza da DF.6

A confirmação da DF possibilita o início imediato de um protocolo de profilaxia, compreendendo a ação de uma equipe multidisciplinar para o acompanhamento do bebê, baseado em um programa de atenção integral durante toda a vida. Assim, é possível estabelecer um plano de cuidados em curto, médio e longo prazo à família.

Os profissionais devem acompanhar o tratamento e o manejo do indivíduo afetado, assim como orientar a família sobre os sintomas e sinais de gravidade para que possam procurar e tratar possíveis exacerbações de forma adequada.

ABORDAGEM DA TRIAGEM NEONATAL DE DOENÇA FALCIFORME EM RECÉM-NASCIDOS SUBMETIDOS À TRANSFUSÃO SANGUÍNEA

A transfusão de concentrado de hemácias assim como de sangue total interfere significativamente na triagem de hemoglobinopatias, incluindo a Doença Falciforme (DF), além de afetar outras condições.

Um recém-nascido que necessitar de transfusão sanguínea antes de 48h de vida, como protocolo pré transfusional, é crucial coletar uma primeira amostra de sangue para triagem de hemoglobinopatias e hipotireoidismo congênito. Após um período adequado de aleitamento (entre 48 horas e 7 dias), uma segunda amostra deve ser coletada para avaliar a presença de metabólitos associados a algumas doenças metabólicas hereditárias. Informar ao laboratório sobre a transfusão é essencial para a correta interpretação dos resultados e, se necessário, solicitar uma nova amostra no momento apropriado.7

Para a triagem de hemoglobinopatias, assim como de deficiência de G6PD, uma amostra adicional pode ser coletada 90 dias após a transfusão. Durante esse período, deve-se dar preferência aos métodos que oferecem maior especificidade e sensibilidade, como isoeletrofocalização ou HPLC.

Implementar essas práticas e assegurar que os recém-nascidos transfundidos sejam corretamente triados e acompanhados durante o período neonatal permite identificar precocemente doenças e condições, proporcionando os cuidados necessários desde os primeiros dias de vida. Isso possibilita a detecção precoce de distúrbios e a implementação imediata de ações preventivas ou terapêuticas, reduzindo riscos e complicações.

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Referências

  1. Doença Falciforme. Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/doenca-falciforme. Acesso em 28 mai. 2024.
  2. Sickle Cell Anemia. What Is It? Harvard Health Publishing. Disponível em: https://www.health.harvard.edu/a_to_z/sickle-cell-anemia-a-to-z. Acesso em 28 mai. 2024.
  3. Doenças Falciformes (DF) e outras Hemoglobinopatias. Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/sangue/pntn/doencas-falciformes-df-e-outras-hemoglobinopatias#. Acesso em 28 mai. 2024.
  4. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Doenças Falciformes. ANVISA. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/anvisa/diagnostico.pdf. Acesso em 28 mai. 2024.
  5. Triagem Neonatal Biológica. Manual Técnico. Ministério da Saúde. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/triagem_neonatal_biologica_manual_tecnico.pdf. Acesso em 06 jun. 2024.
  6. Qual a importância do exame de eletroforese de hemoglobina na APS? Biblioteca Virtual em Saúde. Disponível em: https://aps-repo.bvs.br/aps/qual-a-importancia-do-exame-de-eletroforese-de-hemoglobina-na-aps/. Acesso em 28 mai. 2024.
  7. Protocolo de Transfusão Sanguínea. Laboratório DLE. Disponível em: https://www.dle.com.br/artigos/protocolo-de-transfusao-sanguinea. Acesso em 28 mai. 2024.

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